Fernando Borges, Associate Attorney
Roberto P. Vasconcellos, Internal Tax Technical Research Leader
- Introdução
Em qualquer processo de internacionalização de um business, o sistema tributário do país de interesse representa indiscutivelmente um desafio a empresários, investidores e empreendedores em geral. Nos Estados Unidos, tal realidade não é diferente, já que, a exemplo de muitas jurisdições, o arcabouço tributário norte-americano conta com regulamentação densa e muito detalhada, havendo uma distribuição de competências legislativas a níveis federal, estadual e local (municipal).
Nesse contexto, há que se ter especial atenção a esse tema quando de iniciativas que envolvam investimentos estrangeiros destinados aos EUA.
- Regra geral e requisitos
Como regra geral, indivíduos e entidades jurídicas estrangeiras estão sujeitos à retenção na fonte, na alíquota de 30% (“witholding tax”), sobre valores pagos considerados, pelas normas dos Estados Unidos, como sendo de origem americana. Tal retenção incide sobre o valor bruto remetido dos EUA, desde que o pagamento tenha natureza periódica, fixa ou determinável (Fixed, Determinable, Annual, or Periodical: FDAP) como ocorre no caso de dividendos, lucros, royalties, prêmios de seguros, etc. Além disso, a retenção na fonte não permite quaisquer deduções (vide Internal Revenue Code (IRC), sec. 871(a)(1) e 881(a)).
Contudo, é importante ressaltar que, apesar de ganho de capital (capital gain) constituir hipótese de aplicabilidade das regras de FDAP, tal regramento e a consequente retenção na fonte de 30% não abrangem o ganho de capital do investidor individual não residente nos EUA ou da empresa estrangeira. Nesse sentido, prevalecem as regras americanas sobre “sourcing”, segundo as quais ganhos são tributáveis de acordo com a residência fiscal de quem os aufere. Portanto, em se tratando de indivíduo não residente nos EUA (nonresident alien), o ganho será considerado como proveniente de foreign source, de forma que em tais casos o referido ganho não será tributável nos Estados Unidos.
Adicionalmente a tal ausência de tributação, a legislação americana permite que a maior parte dos juros pagos por empresa americana a um credor estrangeiro seja isento de tributação nos EUA através de regras específicas conhecidas como Portfolio Interest Exception (vide sec.871(h) e 881(c) do IRC). De acordo com tal exceção legal, uma parte estrangeira que adquirir títulos de dívida emitidos por empresas americanas (por exemplo, “bonds”) ou aportar valores em benefício de um negócio americano, a título de empréstimo (“loan”), pode se beneficiar de isenção de witholding tax sobre os juros da dívida, desde que preenchidos determinados requisitos. Assim, ao receber, no exterior, remessas advindas dos EUA a título de pagamento pelos juros da dívida, tais montantes não sofreriam a referida incidência tributária.
É importante, portanto, compreender com clareza os requisitos aplicáveis para que um indivíduo ou empresa possam se beneficiar da regra, conforme detalhado abaixo:
- Credor estrangeiro: o mutuante do empréstimo deve ser estrangeiro, podendo ser indivíduo (pessoa física), foreign corporation/company, trust ou estate.
- Ausência de Effectively Connected Income:os juros da dívida não podem caracterizar, em relação à parte credora, renda conectada (effectively connected income) a negócio operacional americano (US trade or business) do referido credor. Ou seja, a tal exceção não será aplicável e, assim, os juros serão passíveis de retenção na fonte em 30%, se forem pagos a empresas ou profissionais estrangeiros que realizem operações de empréstimo como parte integral de seus negócios, desde que tais juros resultem de atividades que sejam caracterizadas como parte de um US trade or business.
- Ausência de poder de controle do credor sobre o devedor: o mutuante estrangeiro não pode deter, direta ou indiretamente, 10% ou mais das ações com direito de voto da sociedade devedora classificada como Corporation ou, no caso de a sociedade devedora ser fiscalmente transparente (por exemplo, LLCs), a empresa credora estrangeira não poderá deter 10% ou mais de participação em seu capital ou lucros (sec. 871(h)(3)(B)(i) e (ii) do IRC).
- Obrigação registrada vs. obrigação ao portador: para dívidas contraídas até 18 de março de 2012 (ou títulos de dívida emitidos até esta data), a referida isenção é aplicável a juros sobre obrigação registrada ou em relação a títulos emitidos ao portador; mas a partir de 18 de março de 2012, a isenção passou a ser apenas aplicável a obrigações registradas (em razão da revogação da sec. 163(f)(2)(B) do IRC).
- Exclusão de empréstimos bancários: excluem-se do referido benefício empréstimos concedidos por bancos estrangeiros no decurso normal de suas atividades (vide sec.881(c)(3)(A) do IRC).

Para além dos referidos requisitos, os juros ainda devem ser embasados em títulos de dívida (bonds, debêntures, etc.) ou contratos de empréstimo que não deixem dúvidas sobre a natureza da relação das partes como credora e devedora. Para tanto, é necessário que os juros sejam certos e determinados, além de devidos em datas pré-acordadas (vencimento da dívida).
Da mesma forma, as cláusulas que regem a relação das partes credora e devedora devem refletir obrigações e direitos típicas de cada parte. Por exemplo, o pagamento dos juros não pode ser contingente ou sujeito a condições, como ocorreria se o contrato o vinculasse tal pagamento à apuração de lucros da parte devedora.
É importante ter em mente que eventuais características da dívida que venham a torná-la semelhante à participação societária (equity) do credor na empresa devedora tornarão a isenção decorrente da regra do Portfolio Interest Exception inaplicável, caracterizando o valor remetido como dividendos e, portanto, passível de retenção de 30% na fonte (FDAP). Podemos ilustrar a concretização do risco mencionado com situação em que o devedor sujeita o pagamento dos juros a qualquer condição que venha a transferir o risco de seu negócio, ainda que parcialmente, à parte tratada como credora no contrato.
Igualmente problemática será a omissão dos juros nos casos em que o valor de face do título é superior ao preço de emissão, sendo o título eventualmente vendido, trocado ou retirado pela empresa devedora (vide sec.871(a)(1)(C) do IRC).
- Suporte Jurídico
A estratégia mais recomendada para a formalização da dívida a ser beneficiada pelo regime de Portfolio Interest Exception consiste na representação e suporte jurídico por contrato de mútuo, que se dá essencialmente na forma de “Loan Agreement” (aplicável a empréstimos ainda não realizados), “Debt Acknowledgement Agreement” (aplicável ao reconhecimento de uma dívida objeto de empréstimo já realizado), ou mesmo na aquisição de bonds ou notes. Na redação de tais instrumentos, é necessário ter o cuidado de evitar, o quanto possível, a caracterização de dinâmica que possa ser entendida como aquisição de participação societária na empresa devedora.
Na hipótese de tal risco se concretizar, levando os órgãos de controle à suposição ou constatação de que o valor da dívida deve ser considerado como participação societária, a remuneração do credor poderá ser tributada nos EUA como dividendos, com retenção de 30% sobre valor bruto, a título de witholding tax, sem possibilidade de dedução.
- Conclusão:
Em resumo, é possível afirmar que a regra do Portfolio Interest Exception é um instituto jurídico que visa beneficiar, com um regime tributário mais brando, indivíduos ou entidades estrangeiras dispostas a realizar empréstimos em benefício de entes americanos.
A caracterização das circunstâncias que qualificam a transação para o benefício, no entanto, é avaliada de forma concreta pelo IRS, com base na documentação que deverá evidenciar as características típicas de uma relação de dívida entre partes independentes, que sejam credoras e devedoras entre si, além do cumprimento adequado de requisitos legais mencionados acima.
Como requisitos mais relevantes, é possível destacar (i) a necessidade de o credor ser estrangeiro (indivíduo não residente nos EUA ou empresa constituída fora do território americano), (ii) no caso de empresas devedoras classificadas como Corporations perante as regras de tributação americana, não é permitido que a parte credora estrangeira detenha 10% ou mais de suas ações com direito de voto; e, no caso de empresas devedoras americanas que sejam transparentes para fins de tributação americana (LLCs, etc.), o credor estrangeiro não poderá deter 10% ou mais de seu capital social ou direito a lucros; além de (iii) a renda proveniente do empréstimo não poder estar conectada a um negócio operacional do credor nos EUA.
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