A Medida Provisória nº 1.152/2022 (“MP”), publicada em 29 de dezembro de 2022, altera as regras de preços de transferência brasileiras aplicáveis a transações controladas por partes relacionadas no exterior, numa tentativa de alinhar os padrões brasileiros aos utilizados praticados por países ora membros da Organização na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”).
Destacamos, abaixo, os principais pontos trazidos pela MP:
Conceito de partes relacionadas: a MP considera partes relacionadas quando uma delas se submete à influência da outra, direta ou indiretamente, a ponto de os termos e condições de uma transação divergirem daqueles que seriam estabelecidos em transações similares entre partes não relacionadas.
O artigo 4° da MP arrola diversas partes consideradas relacionadas, em rol não taxativo, com destaque para partes com vínculos societários e relações de parentesco entre diretores, sócios, entre outros.
No intuito de aumentar a abrangência, principalmente no que diz respeito a entes estrangeiros despersonalizados, a MP substituiu o termo “pessoa jurídica” para “entidade”.
Delineamento da operação: a transação controlada deverá ser delineada a partir da análise dos fatos e circunstâncias envolvidos, considerando:
(i) termos contratuais;
(ii) funções desempenhadas pelas partes, considerados os ativos utilizados e riscos economicamente significativos assumidos;
(iii) características específicas dos bens, direitos e serviços objetos da transação controlada;
(iv) circunstâncias econômicas das partes e do mercado em que operam;
(v) estratégias de negócios e outras características consideradas economicamente relevantes.
Ao tratar do delineamento da operação, a MP aduz que serão consideradas as opções realisticamente disponíveis para cada uma das partes da transação controlada, atribuindo à fiscalização o direito de desconsiderar ou substituir as transações por uma alternativa, quando se concluir que partes não relacionadas, agindo em circunstâncias comparáveis e se comportando de maneira economicamente racional, não teriam realizado a tal transação controlada da forma como foi delineada.
Análise de comparabilidade: deverá ser realizada de acordo com o objetivo de comparar os termos e condições da transação controlada, após devidamente delineada, considerando as características economicamente relevantes, data da transação, disponibilidade de informações, seleção do melhor método e indicador financeiro, eventuais incertezas na precificação e existência dos efeitos de sinergia de grupo.
Regra do melhor método: a best method rule foi denominada pela MP como “seleção do método mais apropriado”. Até então, o contribuinte sempre pode exercer a discricionariedade de aplicar qualquer método previsto em lei. Pela seleção do método mais apropriado, será necessário observar qual método melhor mede e representa o padrão arm’s length.
Na determinação do melhor método, fatores como grau de comparabilidade entre as transações controladas e não controladas, bem como dados e premissas considerados na análise são relevantes. Por tal razão, a análise de comparabilidade prévia se faz essencial na determinação do melhor método a ser aplicado.
Métodos: dos métodos já previstos na legislação brasileira vigente até a edição da MP, permaneceram o Método do Preço de Revenda menos Lucro (“PRL”), Método de Custo mais Lucro (“MCL”) e Preço Independente Comparável (“PIC”). Além de tais métodos, foram acrescidos o Método de Margem Líquida da Transação (“MLT”) e Método de Divisão de Lucro (“MDL”).
Destacamos que o MLT e MDL, comumente utilizado em outras jurisdições, requerem a observância de informações econômicas e financeiras de empresas que atuam no mesmo setor e em condições similares.
A MP também prevê a adoção de outras metodologias não descritas, desde que o resultado produzido seja consistente com o que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas.
Ainda, a MP atribui à RFB disciplinar a aplicação dos métodos, inclusive no que diz respeito à combinação de métodos, visando aumentar a confiabilidade da análise, como ocorre nos EUA e em outras jurisdições.
Operações com comodities: além de trazer uma definição de commodity, a MP determinou que método mais apropriado para operações com commodities será o PIC, a não ser que, de acordo com os fatos e circunstâncias, outro método seja mais apropriado para atender o padrão arm’s lenght.

Havendo diferenças entre as condições da transação controlada e as condições entre partes não relacionadas que determinam o preço de coração que afetem materialmente o preço da commodity, serão efetuados ajustes para assegurar que as características economicamente relevantes das transações sejam comparáveis.
Intangíveis: além de conceituar o termo “intangível” e “intangível de difícil valoração”, a MP determina que a alocação dos resultados de transações controladas que envolvam intangíveis será com base nas contribuições fornecidas pelas partes e, em especial, nas funções relevantes desempenhadas em relação ao intangível e nos riscos economicamente significativos associados a essas funções.
De acordo com o parágrafo 1°, do artigo 22, da MP, a mera titularidade do intangível não ensejará a atribuição de qualquer remuneração decorrente de sua exploração.
No que diz respeito a intangíveis de difícil valoração, serão consideradas as incertezas na precificação ou na avaliação existentes no momento da transação, e se tais incertezas foram devidamente endereçadas sobre a forma como as partes não relacionadas o teriam feito em circunstâncias comparáveis.
Quanto a royalties de marcas, patentes e assistência técnica, destacamos a revogação da limitação da dedutibilidade em até 5%. Tais remessas, junto de remessa de royalties a título de remuneração por direitos autorais, se sujeitarão às regras de preço de transferência.
A MP também revogada as disposições que impediam a dedutibilidade de royalties pagos a sócios, matriz ou controladora no exterior.
Contudo, novas restrições para que royalties remetidos ao exterior sejam dedutíveis foram estabelecidas, sendo estas (i) o pagamento de royalties a beneficiários situados em paraísos fiscais ou beneficiários de regimes fiscais privilegiados e (ii) partes relacionadas, quando a dedução resultar em dupla não tributação.
Serviços intragrupo: a MP define o que são considerados serviços intragrupos como qualquer atividade desenvolvida por uma parte, incluídos o uso ou a disponibilização pelo prestador de ativos tangíveis ou intangíveis ou outros recursos, que resulte em benefícios para uma ou mais partes.
São excluídas do escopo de serviços intragrupo as atividades de sócio ou acionista, direto ou indireto, em seu interesse próprio, incluídas aquelas cujo único objetivo ou efeito seja proteger o investimento de capital ou facilitar o cumprimento de obrigações leais, regulatórias ou de reporte do prestador.
Também são excluídas do escopo de serviços intragrupo as atividades que representarem a duplicação de um serviço já prestado ao contribuinte ou que tenha a capacidade de desempenhar, ressalvados os casos em que for demonstrado que a atividade duplicada resulta em benefícios adicionais para o tomador.
Cost-sharing: a MP traz um conceito de compartilhamento divergente do comumente utilizado no Brasil no que diz respeito a reembolso de custos sem adição de margem de lucro. O artigo 26 caracteriza o compartilhamento de custo como o arranjo em que duas ou mais partes relacionadas acordam em repartir as contribuições aos riscos relativos à aquisição, produção ou desenvolvimento de serviços, intangíveis ou tangíveis, com base na proporção dos benefícios que cada parte espera obter.
Reestruturação de negócios: definida como modificações comerciais ou financeiras entre partes relacionadas que transfiram lucro ou prejuízo a uma das partes envolvidas sem observância do padrão arm’s lenght, não se confundindo com reestruturações societárias.
Apesar de prevista na MP, a matéria de reestruturação de negócios não recebeu tratamento detalhado, visto que será mais explorada em sede de Instrução Normativa.
Ajustes: a MP prevê o ajuste (i) espontâneo, (ii) compensatório, (iii) primário e (iv) secundário.
Com relação aos ajustes, especial destaque vai para o ajuste secundário, o qual, de acordo com as disposições do artigo 19 da MP, se dará via mútuo fictício com taxa de juros de 12% ao ano, reduzida a zero caso uma parte da transação reembolse a outra com o “crédito” em até 90 dias.
O ajuste secundário não é realidade em algumas jurisdições e, em outras, pode ocorrer de outras maneiras. Nos EUA, por exemplo, além do “empréstimo presumido / mútuo fictício” , o ajuste secundário pode ocorrer via “dividendos presumidos” ou “contribuição de capital presumida”.
Operações financeiras: a MP ampliou o escopo das operações financeiras para cobrir não só operações de dívida, mas também acordos de gestão centralizada de tesouraria, contratos de seguro e garantias intragrupo.
Advance Pricing Agreements (“APAs”): o contribuinte poderá consultar a RFB sobre a adoção de métodos, indicadores financeiros e demais fatores da análise, como ocorre em outras jurisdições que adotam o padrão arm’s lenght. Tal processo de consultada se sujeitará à taxa de R$ 80.000,00, sem qualquer distinção entre empresas em razão de seu porte.
A previsão é a de validade para a solução de consulta é de até quatro anos, sendo autorizada a prorrogação mediante requerimento do contribuinte e aprovação da autoridade competente.
Há, ainda, previsão de hipóteses em que a solução de consulta poderá ser tornada sem efeito, alterada ou revisada.
Escrito pela equipe de Tax Planning / Transfer Price da Drummond Advisors