Alterações na Tributação Americana: o Inflation Reduction Act e as Recentes Modificações na Possibilidade de Crédito de Imposto Estrangeiro nos EUA

1. Da nova tributação americana sob a lei “Inflation Reduction Act

Em agosto de 2022, foi promulgada a lei conhecida como Inflation Reduction Act (IRA). O foco principal das novas regras é voltado para questões climáticas e energia, trazendo consideráveis alterações na legislação americana, incluindo créditos para contribuintes que adquirirem determinados bens e produtos que sejam menos poluidores do meio ambiente.

Sob o aspecto da tributação, cabe destacar que o IRA criará um novo imposto mínimo alternativo de 15% para grandes empresas sob a forma de corporations. É esperado que o novo imposto, com alíquota de 15%, seja baseado em demonstrativo financeiro da empresa ou de suas antecessoras com uma renda média anual ajustada de três anos superior a US$ 1 bilhão. O novo imposto mínimo corporativo será aplicável para exercícios fiscais iniciados após 31 de dezembro de 2022.

Na prática, o novo imposto com alíquota de 15% sobre grandes corporações será o valor maior entre sua tributação regular e o imposto mínimo alternativo de 15%. Entretanto, é importante destacar que é esperado que a média anual da renda ajustada no demonstrativo financeiro inclua informações de outras empresas que sejam tratadas como um único empregador, segundo as normas de tributação americana.

As grandes corporações eventualmente sujeitas à nova tributação continuarão a ter direito à compensação de prejuízos e créditos sobre impostos sobre a renda incidentes fora dos Estados Unidos. É importante destacar que créditos de energia limpa, previstos na nova legislação, deverá limitar a compensação do novo tributo em até 75%. Porém, a empresa poderá invocar como crédito o imposto mínimo alternativo pago em anos anteriores para compensar sua tributação sob o corporate tax americano se sua tributação anual superar 15% da renda ajustada documentada no demonstrativo financeiro.

No caso de grandes corporações cuja empresa-mãe esteja fora dos Estados Unidos, o imposto mínimo alternativo só será aplicável se sua receita média anual ajustada das demonstrações financeiras de três anos exceder US$ 100 milhões e os relatórios financeiros internacionais do grupo econômico exceder US$ 1 bilhão.

O imposto mínimo alternativo não será aplicável às chamadas S-Corporations, RICs (Regulated Investment Companies) ou REITs (Real Estate Investment Trusts). Além disso, é esperado que o novo imposto não seja aplicável a determinadas empresas que tiveram mudanças em seu quadro societário ou que tenham estado sujeito ao imposto após um número especificado de anos tributáveis consecutivos que serão determinados pelo Secretário do IRS ou Tesouro Americano.

Cabe destacar que o mencionado imposto mínimo alternativo não deverá estar em conformidade com a forma atual do “qualified domestic minimum top-up taxes” (or QDMTTs) proposto pela OCDE/G20, o que poderá levar a aumento adicional da tributação se não houver alterações do lado americano ou da OCDE.

Cabe lembrar que o aumento da tributação sobre o chamado “carried interest” muito comum nas indústrias de private equity e venture capital, até hoje tratado fiscalmente nos Estados Unidos como ganho de capital sujeito à alíquota máxima de 20% quando o investimento existir há mais de três anos, não será alterado por enquanto. O objetivo era aumentar o prazo do investimento de três para cinco anos, ou seja, investimentos mantidos por até cinco anos seriam tributados em alíquotas progressivas até 37%, mas por ora nada muda nesse contexto.

A versão final do IRA inclui também um imposto adicional de 1% a ser aplicado sobre determinados resgates de ações, além de alocar uma maior parte do orçamento ao IRS que, notoriamente, teve o exercício de suas funções e o tempo necessário para executá-las prejudicados nos últimos anos devido à insuficiência de fundos.  

2. Alterações pontuais sobre a possibilidade de creditar imposto estrangeiro nos Estados Unidos

É inegável a forte repercussão negativa mundial em relação às novas regulamentações americanas sobre a possibilidade e restrições para se creditar impostos estrangeiros (TD 9959) nos EUA.

Em relação ao Brasil, diversas empresas americanas manifestaram suas preocupações em relação a seus negócios sujeitos à tributação brasileira do IRPJ e CSL, como também sobre pagamentos oriundos do Brasil e sujeitos ao imposto de renda retido na fonte (IRF) que poderão não ser mais creditados.

A boa notícia é que, desde então, o IRS e o Tesouro Americano já se manifestaram afirmando que uma nova regulamentação será preparada até o final de 2022 para suavizar e “esclarecer” pontos que não estariam sendo interpretados corretamente. Segundo tanto o IRS como o Tesouro Americano, responsáveis pela redação da TD 9959, a intenção não era proibir o crédito sobre tributos incidentes no Brasil, mas sim evitar que novos tributos, por exemplo, sobre serviços digitais (digital services tax) que foram criados no Reino Unido e na Espanha fossem elegíveis a serem usados como créditos nos Estados Unidos.

Por essa razão, em 26 de julho de 2022, foram emitidas duas normas de correções (2022-15867 e 2022-15868). Ambas trazem mudanças bastante pontuais às regras da TD9959 que foi publicada em dezembro de 2021. As alterações mais relevantes deverão ser anunciadas ainda em 2022.

Dos pontos específicos alterados:

O primeiro ponto alterado diz respeito a tratados contra a dupla tributação assinados pelos Estados Unidos. Embora o Brasil não tenha assinado tratado com os EUA, cabe notar que a TD 9959 trazia consigo a chamada “regra de coordenação dos tratados” que determinava que se algum tributo estrangeiro incidisse sobre uma controlled foreign corporation (CFC)[1], esse tributo seria tratado como uma taxação separada daquela aplicável sob a lei doméstica estrangeira. Ou seja, caso a taxação sob a lei doméstica não fosse elegível ao crédito, ela passaria a ser em razão do tratado, porém apenas se a taxação fosse sobre uma CFC. As correções alteraram a referida regra para incluir taxação estrangeira que seja modificada pelo tratado, independentemente de a incidência ser sobre uma CFC.

Ao determinar a possibilidade de creditar tributos sobre a renda líquida, a TD 9959 determinava que a base de cálculo do tributo estrangeiro deve ser computada através da redução da receita bruta por custos e gastos significativos, o que inclui despesas de capital significativas. Neste sentido, despesas que tenham natureza de juros, aluguéis, royalties, serviços etc são exemplos mencionados especificamente nas regras americanas como sendo, por si só, significantes e, portanto, não impedindo o tributo estrangeiro de ser creditado. Entretanto, qualquer outra despesa só será considerada significante se constituir uma parcela significativa dos custos e despesas totais de todos os contribuintes sujeitos ao imposto estrangeiro.

Ainda de acordo com a redação original da TD 9959, é permitido que os custos e despesas possam ser recuperados em um momento diverso do previsto pela Internal Revenue Code (IRC), o código tributário americano, salvo se a recuperação somente possa ocorrer em momento tão posterior que, na prática, resulte na impossibilidade dessa recuperação. Neste caso, podemos ilustrar o exemplo de ativo que venha a perder todo seu valor ou vier a ser alienado.

As normas de correções retiram a exigência de os custos e despesas serem “significativos” para serem recuperados. As correções, ao invés de proibir a recuperação de despesas com relação ao ativo após este perder todo o valor ou for alienado, passam a permitir explicitamente a recuperação de despesas em momentos futuros, mesmo quando o ativo se tornar sem valor ou for alienado.

Cabe notar que as correções determinam que se presuma que a lei tributária estrangeira permita a recuperação significativa dos custos e despesas, ainda que uma parte desses custos e despesas seja glosada, porém desde que a referida glosa seja consistente com qualquer princípio semelhante adotado pelo IRC, incluindo questões de política pública. As recentes correções removem referências a algumas normas específica do IRC, como a da sec.163(j) que limita a dedução de juros por empresas americanas fiscalmente transparentes. Entretanto, ainda é mantida referências a princípios que justificam limitações na dedução de juros nos EUA, bem como a glosas relacionadas a transações híbridas etc.

As referidas correções também alteram alguns aspectos sobre a alocação da renda bruta para fins de tributação americana quando duas empresas, cujas existências sejam desconsideradas para fins tributários, transacionem entre si.

A definição de grupo de filiais estrangeiras e grupo de proprietários de filiais estrangeiras, conforme encontrado na seção do regulamento americano do imposto de renda n.1.904-4(f)(3), é modificada pelas correções para fins de se esclarecer que a receita bruta estrangeira relacionada à prévia contribuição de uma filial estrangeira será caracterizada como receita do “basket” reservado a filiais estrangeiras[2].

O crédito de tributos estrangeiros sob a tributação do regime conhecido como GILTI (Global Intangible Low Taxed Income) sofreram pequeno ajuste com as normas de correções em relação à renda excluída do GILTI em razão de alta tributação no país estrangeiro, para assegurar que o cálculo da alíquota efetiva considere apenas os impostos estrangeiros sobre a renda que sejam creditáveis, excluindo os impostos no exterior em relação aos quais o crédito não é permitido.

3. Ponto para esclarecimento: a reciprocidade e o crédito do imposto americano no Brasil

Nos Estados Unidos, o aproveitamento de créditos referentes a tributos sobre a renda pago no exterior sempre foi tratado unilateralmente, independentemente de reciprocidade. Mais especificamente, as referidas regras estão extensivamente detalhadas no IRC e em diversos regulamentos do imposto de renda americano. 

Por esse ângulo, nada mudou. Para fins de tributação americana, creditar o tributo estrangeiro significa usar cada dólar gasto com o tributo estrangeiro para compensar cada dólar devido nos Estados Unidos, porém, se o tributo estrangeiro não for elegível para ser creditado, as sections 164(a)(1) e (b)(3) do IRC permitem sua dedutibilidade na base de cálculo do imposto de renda federal a pagar.

Do lado brasileiro, há de se separar dois cenários diferentes. No caso de pessoas jurídicas brasileiras com lucros, subsidiárias de empresas americanas, rendimentos e ganhos de capital no exterior, não há necessidade de reciprocidade, visto que as regras das Lei 12.973/14, como também da Lei 9.249/95, são aplicáveis. Para pessoas físicas residentes fiscais no Brasil, entretanto, de acordo com o art. 5º da Lei 4.862/65, a reciprocidade é um requisito obrigatório para que seja permitido o aproveitamento do imposto pago nos Estados Unidos. Nesse sentido, o Ato Declaratório Interpretativo 28/00 reconhece que a legislação federal dos Estados Unidos permite a dedução dos tributos pagos no Brasil e conclui ser possível creditar os impostos sobre a renda pagos naquele país no Brasil.


[1] O conceito de CFC na tributação americana abrange empresas constituídas fora dos EUA nas quais mais de 50% das participações detidas pelos sócios/acionistas, com ou sem direito de voto, pertençam a residentes fiscais americanos, titulares de green card ou cidadãos dos Estados Unidos. Além disso, só pagará imposto o sócio/acionista americano da CFC que detiver mais de 10% das ações ou quotas, com ou sem direito de voto.

[2] A tributação americana categoriza o crédito de tributos estrangeiros em 4 tipos de “baskets” (cestas) conforme o tipo de renda: rendas ativas, rendas passivas, rendas de filiais e renda sujeita ao regime conhecido como GILTI.

Roberto P. Vasconcellos

Roberto P. Vasconcellos

Consultor Tributário Sênior da Drummond Advisors

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