Por Adriana Lemos e Flávia Sobral
A Justiça Federal de São Paulo, em julgamento realizado em 18/12/2020, decidiu que beneficiários devem pagar Imposto de Renda (“IRPF”) sobre rendimentos oriundos de Trust no exterior.
O Trust é uma figura jurídica muito utilizada no cenário internacional como um instrumento contratual que possibilita a organização de planejamentos sucessórios, formalizados por meio do “Trust Deed”, no qual seu instituidor (“Settlor”) transfere total ou parcialmente a propriedade de seus bens e direitos a um terceiro (“Trustee”), para que este o administre numa relação de confiança, em benefício de terceiros (“Beneficiários”).
Embora ainda não regulado pela legislação brasileira, seja do ponto de vista da sua recepção à luz do direito civil, seja em relação aos efeitos tributários, os seus benefícios podem ser usufruídos no país sem ressalvas.
Todavia, em face da ausência de embasamento legal, dúvidas por parte de investidores, beneficiários e até mesmo da própria administração tributária surgem em relação a forma de tributação dos bens e valores recebidos por residentes fiscais brasileiros oriundos de Trusts.
O cerne da questão gira em torno da incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”), caso se configure como um recebimento oriundo de doação/sucessão, ou sobre o IRPF, na eventualidade de as autoridades fiscais reputarem tais pagamentos como fatos geradores de renda.
Origem do Julgamento
A origem do julgamento é um Mandado de Segurança que tramita na 11ª Vara Cível Federal de São Paulo (Mandado de Segurança Cível Nº 5017217-81.2020.4.03.6100), cujo impetrante, um beneficiário de um Trust na Nova Zelândia, pretendeu obter o reconhecimento da isenção do IRPF prevista nos 6º, XVI, da Lei n. 7.713 de 1988, que estabelece a isenção do Imposto de Renda sobre valores recebidos por doação.
Como fundamentação, o impetrante informou que recebeu doações do Trust, as quais foram declaradas à Receita Federa do Brasil (“RFB”) e tributadas pelo ITCMD. Informou ainda que os valores geridos pelo Trustee, também residente fiscal brasileiro, foram declarados e objeto de tributação pelo IRPF.
Na sentença publicada em janeiro de 2021, a Juíza Federal Regilena Emy Fukui Bolognesi, entendeu que apesar da existência de previsão legal acerca da isenção de Imposto de Renda sobre os bens adquiridos por doação ou herança, o instituto do Trust não é tipicamente previsto no Brasil, não sendo possível afirmar que os valores recebidos se caracterizam como doação. Adicionalmente, ressaltou que:
“Ademais, nos termos do Contrato de Rescisão e Nomeação de Administradores Fiduciários e Garantia do The Green Garden trust, os rendimentos possuem a denominação de pagamentos, e, embora se submetam a à discricionariedade do administrador do fundo, não são efetuados a título de liberalidade, nos termos do artigo 538 do Código Civil.”
De acordo com a Magistrada, o fato gerador do IRPF é o recebimento de rendimentos do exterior, cuja hipótese de incidência encontra-se prevista na legislação. Portanto, denegou a segurança e julgou improcedente o pedido formulado.

O posicionamento da Receita Federal sobre a tributação de valores recebidos por Trusts
A Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da Solução de Consulta COSIT nº 41, de 31 de março de 2020 (SC 41/2020), manifestou posicionamento favorável à incidência do IRPF sobre valores recebidos por beneficiário residente fiscal no Brasil provenientes de Trust no exterior.
Neste caso específico, a consulta foi realizada por uma beneficiária de um Trust localizado nas Bahamas, constituído por seu marido. Em razão do falecimento deste, a beneficiária passou a receber valores provenientes do Trust, na condição de beneficiária/herdeira. A dúvida levantada pela Consulente perante a Receita Federal foi se os recebimentos oriundos do Trust são tributáveis pelo IRPF ou pelo ITCMD.
A Receita Federal concluiu que os valores recebidos do Trust estão sujeitos ao IRPF, uma vez que se trata de rendimento auferido de fonte estrangeira, que implica acréscimo patrimonial. Na visão da Receita, os valores recebidos do Trust deveriam ser tributados mensalmente por meio de carnê-leão (alíquotas progressivas até 27,5%) e incluídos na declaração de ajuste anual como rendimentos tributáveis recebidos do exterior.
Todavia, declarou que é ineficaz a parte da consulta que questiona a incidência do ITCMD, por não ser um tributo de sua competência.
Cumpre ressaltar que, as soluções de consulta emitidas pela COSIT têm efeito vinculante no âmbito da RFB a partir da data de sua publicação, e pode significar que o órgão aplicará o mesmo entendimento para contribuintes na mesma situação fática.
Considerações Finais
O Trust é um instituto com ampla flexibilidade contatual e tem se mostrado elemento essencial para proteção de bens e de um planejamento sucessório eficiente, em âmbito jurídico, econômico e tributário.
Todavia, especificamente no âmbito tributário, a falta de regulamentação deste instrumento contratual no ordenamento jurídico brasileiro tem causado insegurança jurídica aos beneficiários no que diz respeito a natureza jurídica dos recebimentos e os consequentes reflexos tributários.
Apesar dos recentes julgados proferidos pela Justiça Federal do Estado de São Paulo e pela Receita Federal do Brasil sinalizarem o entendimento pela incidência do IRPF, o tema ainda é embrionário no Brasil e necessita ser analisado de forma individual considerando as características específicas de cada contrato de Trust, a fim de caracterizar a natureza jurídica dos valores recebidos sob a ótica da legislação brasileira – doação/herança x rendimento ordinário.
Cabe lembrar que recentemente o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a cobrança do ITCMD sobre heranças e doações do exterior (Recurso Extraordinário n. 851108). Deste modo, caso os valores recebidos pelos beneficiários de Trusts no exterior sejam reconhecidos sob a natureza jurídica de doação/herança não haverá sequer a incidência do ITCMD, pelo menos até a edição de Lei Complementar que autorize a tributação estadual.